Espaço Médico

Diretrizes para Cavernoma Cerebral

Diretrizes para o Manejo Clínico de Malformações Cavernosas Cerebral: Recomendações de Consenso Baseadas na Revisão da Literatura Sistêmica pelo Conselho Consultivo Científico da Angioma Alliance - EUA.

  • As Diretrizes de Consenso de Cuidados Clínicos do CCM têm como objetivo educar pacientes, profissionais de saúde e médicos; aumentar o nível de conhecimento dos paciente; e apoiar os Centros de Referências já constituídos e os que ainda serão constituídos.

Essas diretrizes beneficiam o paciente e as comunidades clínicas fornecendo um conjunto abrangente de diretrizes consensuais para o diagnóstico, monitoramento e tratamento de lesões (cavernomas cerebrais) ou suas manifestações, como epilepsia ou hemorragia. Os autores incluem membros clínicos do Conselho Consultivo Científico da Angioma Alliance e especialistas convidados.

As diretrizes consensuais completas, igualmente revisadas por pares que fizeram a revisão sistemática, também identificam lacunas de conhecimento e controvérsias de opinião dentro da prática atual que influenciam o melhor julgamento clínico em casos individuais.

Aqui fica uma síntese traduzida a partir do documento original em inglês, também disponível.

DIRETRIZES (“Guidelines”) PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE. CAVERNOMAS CEREBRAIS

As diretrizes aqui estabelecidas estão baseadas no documento de consenso Guidelines for the Clinical Management of Cerebral Cavernous Malformations: Consensus Recommendations Based on Systematic Literature Review by Angioma Alliance Scientific Board Clinical Experts Panel.

O Documento foi publicado na revista Neurosurgery 2017, (0):1-16 e está disponibilizado pela revista, de forma gratuita, devido à sua relevância para a comunidade médica e científica, bem como em nosso site.


INTRODUÇÃO

Embora o tema cavernomas do sistema nervoso tenha sido motivo de um grande número de publicações, ainda existem controvérsias sobre as estratégias de diagnóstico e tratamento da doença.

O grupo de suporte de pacientes com cavernomas dos Estados Unidos denominado Angioma Alliance (www.angioma.org) reuniu um painel multidisciplinar de professores universitários, médicos e cientistas com experiência na doença, com o objetivo de rever toda a literatura existente até setembro de 2014, com foco em 5 tópicos:

1) Epidemiologia e história natural,
2) Teste genético e aconselhamento,
3) Critérios de diagnóstico e padrões de neuroimagens,
4) Considerações neurocirúrgicas, e
5) Considerações neurológicas.

O objetivo do grupo foi rever a literatura (estratégia de revisão sistemática disponível no artigo), dar valor às evidências encontradas, desenvolver recomendações e estabelecer consenso, controvérsias e eventuais falhas no conhecimento no tema cavernoma.

As recomendações consensuais tinham como objetivo definir cuidados opcionais e guiar decisões clínicas, baseadas em literatura disponível e entendimento atual da doença, através de análise de lideranças no assunto.

O processo de construção das diretrizes seguiu as recomendações da US Preventive Services Taskforce (https://www.uspreventiveservicestaskforce.org) and the Standards for Development Trustworthy Clinical Practice Guidelines of the US National Academy of Medicine (www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK209539/).

1. EPIDEMIOLOGIA E CURSO CLÍNICO SEM TRATAMENTO

Cavernomas já têm sua prevalência estimada em 0.5% da população geral. Suas manifestações mais comuns são epilepsia (50%), hemorragia intracraniana (25%) e surgimento de deficiência neurológica sem hemorragia (25%). Entretanto, uma parte significativa das pessoas com cavernomas (até 50%) não apresentam sintomas e são encontrados por acidente devido à maior disponibilidade da ressonância magnética na população. Os cavernomas são encontrados como lesão única ou na forma familiar como múltiplas lesões cerebrais na ressonância magnética. Em torno de 20% dos casos apresentam lesões múltiplas e a maioria será familiar, com transmissão genética dominante.

A confirmação da forma familiar pode ser confirmada com teste genético para identificar mutações em um dos três genes conhecidos (CCM1, CCM2 ou CCM3).

Apresentação inicial com hemorragia e localização no tronco cerebral são os dois fatores de risco para futuras hemorragias identificados em estudos de revisão sistemática e meta-análise da história natural.

Essa revisão sistemática encontrou risco geral de 15,8% para ressangramento em cavernomas em 5 anos, com duas meta-análises recentes confirmando que esse risco declina com passar do tempo (em torno de 2 anos).

O risco de uma primeira hemorragia parece ser bem pequeno (0,08% por paciente/ano) nos portadores de cavernomas encontrados como achado de exame e sem sintomas.

Dados disponíveis para a história natural de cavernomas medulares são esparsos, com um único estudo de meta-análise de 40 estudos, reportando taxa anual de hemorragia de 2.1%.

Estudos com ressonâncias repetidas demonstraram uma taxa de formação de novas lesões quando diante da forma familiar da doença - de 0,4 a 2,7 novas lesões em paciente/ano (mais alta em portadores de mutações do gene CCM3).

 

2. TESTAGEM GENÉTICA E ACONSELHAMENTO

As bases genéticas dos cavernomas estão estabelecidas. Cavernomas familiares tipificados por múltiplas lesões e/ou história familiar são causados por mutações em um dos três genes: CCM1, CCM2 ou CCM3.

 

RECOMENDAÇÕES PARA TESTE GENÉTICO E ACONSELHAMENTO

1) Obter 3 gerações de história familiar no momento do diagnóstico, através de sintomas (epilepsia como sintoma mais importante) e ressonância magnética. (Classe I, nível C)

2) Considerar teste genético dos genes CCM1, 2 e 3, por sequenciamento Sanger ou NextGen, quando o paciente apresentar múltiplos cavernomas e história familiar positiva sem ADV (anomalia venosa de desenvolvimento) ou história de radioterapia craniana ( Classe I, nivel B).

• Caso o teste seja positivo no primeiro indivíduo testado na família, pode ser feito aconselhamento sobre a herança dominante e identificar nos familiares pessoas de alto risco (ressonância com lesões, história de AVC ou epilepsia). A testagem de familiares adultos sob risco pode ser oferecida, porém testes de indivíduos assintomáticos devem levar em conta fatores éticos, devendo tais indivíduos receber informações sobre possíveis consequências psicológicas de um teste positivo antes de decidirem. (Classe I, nível C)

3. IMAGENS E PADRÕES PARA EXAMES EM CAVERNOMAS

Tomografia computadorizada não detecta pequenas lesões, apenas podendo identificar calcificações. Pode ser útil na identificação de hemorragia, efeito de massa e hidrocefalia. Existe ainda um pequeno risco de promoção (nos indivíduos com tal tendência) de formarem novos cavernomas pela radiação, principalmente naqueles que farão exames repetidos.

Ressonância magnética é o teste de imagem de escolha para detecção e caracterização dos cavernomas. A tipificação dos cavernomas em Ressonância é devido à deposição dos produtos de degradação do sangue dentro e ao redor das lesões, principalmente hemossiderina. Sequências de ressonância de maior susceptibilidade à presença da hemossiderina depositada nas lesões, chamadas Gradiente-eco ou SWI, podem detectar cavernomas pequenos, não visíveis nas sequências convencionais, particularmente em famílias ou nos que fizeram radioterapia craniana previamente. Outras condições podem levar a micro hemorragias cerebrais, tais como angiopatia amilóide (em idosos) e hipertensão arterial, visíveis somente em G-eco ou SWI, e podem simular presença de cavernomas. Entretanto seria muito incomum a ocorrência de um grande número de pequenos cavernomas sem a presença de um cavernoma típico grande adicional.

O papel da angiografia por cateterismo é sem importância e uma anomalia do desenvolvimento venoso pode ser vista na ressonância.

Em razão da importância de diferenciar a doença esporádica da forma familiar, torna-se crítico fazer uma das sequências de maior sensibilidade/susceptibilidade para verificar múltiplas lesões.

Exames repetidos de rotina não estão claramente definidos. Exame repetido é feito por mudanças no estado neurológico, especialmente os sugestivos de hemorragia nos cavernomas, a piora do quadro de epilepsia ou mudança no exame neurológico.

RECOMENDAÇÕES PARA IMAGENS EM CAVERNOMAS

1) Ressonância cerebral é recomendada para diagnóstico e acompanhamento de paciente com cavernoma suspeitado ou conhecido. (Classe I, nível B).

2) Ressonância cerebral deveria incluir Gradiente-eco ou SWI para estabelecer se o paciente tem um cavernoma ou múltiplos. (Classe I, nível B).

3) Angiografia por cateterismo não é recomendada para avaliação de cavernomas a não ser para diagnóstico diferencial com MAV (malformação arteriovenosa seja considerado) (Classe I, nivel C).

4) Exame de imagem para acompanhamento deve ser considerado para guiar decisões quanto à tratamento ou investigar novos sintomas. Exame de imagem cerebral deve ser feito tão logo quanto possível do inicio de sintomas suspeitos de hemorragia. Tomografia pode ser feita dentro de 1 semana do inicio dos sintomas mas após deve ser feita ressonância magnética. (Classe I, nível C).

4. CONSIDERAÇÕES NEUROCIRÚRGICAS

Mesmo após décadas de manejo da doença, experiência, evidências para indicações de ressecção cirúrgica permanecem conflitantes. Portanto, é muito importante balancear os riscos de cirurgias versus a história natural da doença, especialmente em localizações e situações clínicas específicas, pois os riscos de uma cirurgia variam muito com a localização de um cavernoma, e isso deve influenciar uma decisão terapêutica. A história natural de 0,08% de chance de hemorragia em um cavernoma que nunca sangrou e o risco de 2,4% em 5 anos de uma hemorragia levar à morte ou deficiência neurológica em cinco anos devem ser considerados.

RECOMENDAÇÕES PARA TRATAMENTO CIRÚRGICO

1) Ressecção cirúrgica não é recomendada para portadores de cavernoma cerebral assintomáticos, principalmente quando as lesões estiverem em regiões funcionais importantes, profundas ou no tronco cerebral, nem em casos de múltiplas lesões. (Classe III, Nível B).

2) A ressecção cirúrgica pode ser considerada em cavernomas assintomático solitário, facilmente acessível, em área cerebral não “eloquente”, para prevenir futura hemorragia devido à excessivo stress psicológico, por decisão pessoal, por custos de um acompanhamento ou pacientes que necessitem ser anticoagulados (Classe IIb, nível C). O paciente bem orientado poderá tomar sua decisão com apoio de seu médico.

3) Ressecção cirúrgica precoce pode ser considerada para cavernoma causador de epilepsia, principalmente em paciente refratário à tratamento clinico, no qual não existam dúvidas sobre epileptogenicidade do cavernoma (Classe II A, nível B).

4) Cirurgia pode ser considerada para um cavernoma sintomático, facilmente acessível, com morbidade e mortalidade equivalente a viver com o cavernoma por 2 anos (Classe IIb, nivel B).

5) Ressecção cirúrgica pode ser considerada em cavernomas profundos se sintomático ou após hemorragia prévia, com mortalidade e morbidade equivalente a viver com o cavernoma por 5-10 anos (Classe IIb, nivel B).

6) Após revisar os altos riscos de morbidade e mortalidade pós-operatórios e impacto na qualidade de vida, pode ser razoável oferecer uma cirurgia para um cavernoma do tronco cerebral APÓS UM SEGUNDO EPISÓDIO de hemorragia, já que esses serão os cavernomas mais agressivos (Classe IIb, nível B).

7) Evidências para indicação de cirurgia após um único sangramento de cavernoma do tronco cerebral ou para cavernoma medular são fracas (Classe IIb, nível C).

8) Radiocirurgia pode ser considerada para um cavernoma solitário com hemorragia prévia se localizado em região muito eloquente (funcionalmente importante) que traga risco cirúrgico inaceitavelmente alto (Classe IIb, nível B).

9) Radiocirurgia NÃO é recomendada para cavernomas assintomáticos, para cavernomas acessíveis à cirurgia, nem em cavernomas familiares devido aos riscos de produção de novos cavernomas (Classe III, nível C).

5. CONSIDERAÇÕES NEUROLÓGICAS

Em casos nos quais não houverem dúvidas quanto à epilepsia relacionada à presença de um cavernoma cerebral, tratamento anticonvulsivante é recomendado.

Não existe estudo comparando cirurgia precoce versus tratamento com drogas orais em epilepsia em cavernomas.

Na prática, é comum iniciar o tratamento com medicação antiepiléptica. Cirurgia pode ser considerada inicialmente, se a epilepsia é associada à hemorragia ou se o paciente não é aderido às medicações.

Em torno de 50 a 60% dos pacientes pode ficar sem crises convulsivas com medicações após diagnóstico de epilepsia relacionada ao cavernoma. Incidência de crises convulsivas em cavernomas encontrados de forma acidental é baixa (<1% ao ano).

MANEJO DE CAVERNOMAS EM CRIANÇAS

Aproximadamente um quarto dos cavernomas esporádicos e familiares ocorrem em grupos em idade pediátrica. Fazer exames de imagens em crianças – especialmente abaixo de 6 anos ou com alterações do comportamento - requer sedação, e isso acrescenta eventual risco. Cavernomas de volume maior do que simples pontos escuros na ressonância podem ter maior propensão à hemorragia.

Baseado na resposta de hemangiomas infantis, que são doença bastante diferente de cavernomas, ao uso de propranolol esse medicamento tem sido proposto para uso clinico no tratamento de cavernomas. Uma série de casos foram reportados com sucesso limitado em casos pediátricos e adultos, sendo que estudos controlados bem feitos não foram feitos em cavernomas. Portanto, seu uso não pode ser atualmente recomendado.

Crianças podem também desenvolver múltiplos cavernomas cerebrais em resposta à radioterapia com doses acima de 30 grays na primeira década de vida, sem que seja necessário a preexistência da doença cavernosa ou doença familiar. Essa preocupação é crescente em relação ao uso de tomografias frequentes na primeira década de vida ou quando o paciente é carreador conhecido de mutações de genes CCM.

Manejo de Cavernomas Durante a gravidez

Várias séries de pacientes sugerem que o risco de desenvolvimento de sintomas ou de hemorragia em cavernomas em grávidas não é diferente das mulheres não grávidas. Com o diagnóstico prévio de múltiplos cavernomas aconselhamento genético pode ser discutido quando a portadora pretender engravidar.

Em pacientes com epilepsia e cavernomas, a discussão sobre medicação apropriada para redução de efeitos teratogênico e suplementação de folato antes da gravidez se faz necessária.

Ocorrendo déficit neurológico focal ou cefaléia aguda e/ou crises convulsivas durante a gravidez, a ressonância magnética sem contraste deverá ser considerada.

Se ocorrer hemorragia cerebral durante a gravidez, a gravidade dos sintomas e risco de sangramento recorrente devem ser pesados contra o risco de intervenções cirúrgicas no tempo da gravidez. Parto vaginal é apropriado à maioria das pacientes, a menos que existam deficiências neurológicas ou hemorragia recente que o impeçam.

ANTICOAGULAÇÃO

A maioria dos estudos sugere que é seguro o uso de antiplaquetário, que é baixo o risco de hemorragia de cavernomas em pacientes submetidos à terapia antitrombótica. É preciso tomar cuidado, entretanto, com pacientes com hemorragia recente. Não existe estudo comparando populações com cavernomas submetidos à trombólise, na situação de isquemia cerebral aguda, para formar recomendações. A segurança de outras medicações como estrogênios, antiinflamatórios não-esteróides e outros agentes antiplaquetários mais novos, inibidores de recaptação de serotonina e Vitamina E não foram estudados suficientemente em pacientes com cavernomas para se traçar recomendações. E não existem dados sobre os novos anticoagulantes.

ATIVIDADE FÍSICA

Existem algumas atividades que colocam em certo risco pacientes com cavernomas, com ou sem epilepsia (revista Neurosurgery 2017). Não existe nenhum estudo que tenha demonstrado relação entre a atividade física e a hemorragia devido ao cavernoma cerebral. Porém recomenda-se que evite atividades que possam alterar a pressão arterial

MEDICAÇÕES POTENCIALMENTE BENÉFICAS

As estatinas têm sido sugeridas em laboratório e estudos pré-clínicos como terapia potencial para cavernomas. Porém, seus riscos e benefícios não foram cuidadosamente avaliados. Pacientes com cavernomas podem receber estatinas quando com indicações cardiovasculares e redução do colesterol sérico com monitorização do comportamento dos cavernomas.

Estatinas não devem ser usadas para tratar cavernomas na ausência de evidências sólidas de ensaios clínicos.

Existe alguma evidência biológica de benefícios de Vitamina D também em laboratório e estudo recente (ver no artigo, a referência 36, revista Neurosurgery 2017) demonstrou associação entre a deficiência em vitamina D e o comportamento biológico agressivo de cavernomas. Não existe nenhuma evidência de que suplementos com Vitamina D previna futuras manifestações de cavernomas cerebrais.

Estudos laboratoriais estão identificando alvos potenciais para tratamento farmacológico para a estabilização dos cavernomas ou prevenção de sua gênese.

Esses estudos aguardam cuidadosa avaliação clínica de potencial segurança e eficácia baseados em ensaios clínicos.

RECOMENDAÇÕES PARA MANUSEIO NEUROLÓGICO

1) Terapia antiepiléptica para a primeira crise convulsiva provavelmente devido à presença de cavernoma cerebral é razoável (Classe I, nível B).

2) Pacientes com história de cavernoma familiar ou com múltiplas lesões (mesmo sem familiares atingidos) devem considerar aconselhamento genético antes de engravidar ( Classe I, nível C).

3) Pacientes podem ser aconselhados de que o risco de sintomas durante a gravidez é provavelmente igual à de pacientes não grávidas (Classe IIa, nível B).

4) Ressonância Magnética deve ser considerada em pacientes com cavernoma cerebral que desenvolvem novos sintomas neurológicos durante a gravidez (classe IIa, nivel B).

5) Existem poucos dados sobre o uso de medicação anti-trombótica em pacientes com cavernoma cerebral (Classe III, nivel C).

6) A segurança de uso de trombolíticos em pacientes com cavernomas e concomitante isquemia aguda cerebral não é conhecida. (Classe III, nível C).

7) A influência de atividade física no comportamento dos cavernomas é basicamente desconhecida (Classe IIb, nível C).